quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Quem bate à minha porta? (Peça em um ato)


CENA: O ano é 1944, ou não. Um bar com algumas cadeiras empilhadas. Ambiente sombrio, algo como um moderno cabaret. Bebidas preenchem o balcão, cinzeiros cheios espalhados sobre as mesas, alguns quadros com fotos em sépia e um pôster do que parece ser o Harry Potter, mas na verdade é apenas Shelley Puddle, um famoso travesti da época. Seja lá que época for.

Quando sobe o pano, David, o ranzinza, está sentado ao fundo lendo jornal. Jack, secretamente apaixonado, toma um drink e fuma um cigarro sentado em uma mesa mais próxima ao bar. Enquanto Larry, o cafajeste dono do bar, parece limpar e organizar o balcão.

Jack: Perdi minha carteira.

Larry: Parece perder coisas o tempo inteiro. É como se sua mente quisesse livrar seu corpo de coisas materiais.

Jack: Preciso de dinheiro!

Larry: Você está me pedindo dinheiro?

Jack: Não, porra! Só comentei que est...

Larry: Não posso mais sair de casa porque devo dinheiro para todo mundo! Eu adoro comida italiana, moro a 6 quarteirões do little italy, mas não posso ir. Porque se saio, um monte de gente vem me pedir dinheiro. Talvez eu tenha que ir para Itália para comer um pouco de comida italiana!

Jack: Não ia te pedir dinheiro, e você mora perto de chinatown, não little italy!

Larry: Então por favor, não peça dinheiro para a porra dos italianos! Agora, o que vamos fazer hoje, cair na noite?

Jack: Festa? Você pode fazer melhor que isso! Eu estava pensando em tomar uns drinks no lower east side!

Larry: Quer saber, eu nem gosto da porra do molho que colocam na comida!

Jack: Mas que merda você está falando!?

Larry: Não vou para o lower east side! Aquele bando de engravatados filhos da puta! Pagar para beber!? A gente bebe aqui! Olha quanta bebida eu tenho nessa merda de bar!

Jack: Pensei em irmos para um lado diferente da cidade. Só isso!

Larry: Diferente?! Que papo gay é esse? Está amando?

Jack: Acho que depende o que você quer dizer com amor.

Larry: Sei tudo sobre amor!

Jack: Mas você não é gay?

Larry: Não. Ainda não. Talvez na minha próxima vida!

Jack: Me conta o que sabe sobre amor...

Larry: Amor pela vida, amor pela família, amor pela comida, pela bebida.

Jack: Dizem que um amor não correspondido pode levar à obsessão!

Larry: Quem disse isso?

Jack: Eu!

Larry: Uma hora são doces, rosas e boquetes...

Jack: Houve uma época em que amei tão profundamente, tão correto, que beirava o ódio.

Larry: ...depois são 200 telefonemas....

Jack: Essa eu já te disse uma vez, era uma piranha!

Larry: ...e ordens de restrição..

Jack: O amor pode ser sujo!

Larry:  Assim como a gente!

David abaixa o jornal e passa o olho entre os dois.

David: Odeio os filhos da puta dos Italianos! Sempre gritando, falando putarias, babando e tomando péssimos vinhos! Humpf!

David sobe o jornal e volta a sua leitura.

Larry: Acha que eu deveria trocar as cores do bar?

Jack: Não! E não quero falar sobre isso! Alias, amarelo e azul fazem verde, não “amazul”!

Larry:  Vai se foder! Seu merda! Falando em merda, que cara de é essa? Você apanhou?!

Jack: Tenho tido problemas para dormir.

Larry: Insônia?!

Jack:  Quase isso...

Larry:  Eu não tenho esse problema! Não durmo! Nunca! Nem na morte espero dormir. Sonhos!? Ahhh! Grande baboseira! O ópio de ser outra pessoa qualquer não me atrai tanto quanto a realidade de um bom whiskey!

Jack: Acho que não durmo por remorso, pelo que deixei de cometer!

Larry: Que isso garoto!? Quando você tem insônia, você nunca dorme de verdade e você nunca acorda de verdade. A vida vira um limbo no qual se torna impossível diferenciar o que é real!

David abaixa o jornal e passa o olho entre os dois.

David: Eu acho isso ai uma merda!

David sobe o jornal e volta a sua leitura. Jack ascende um outro cigarro.

Jack: Vamos tomar uns drinks ou não!?

Larry: Ah caralho! Eu faço um drink pra você!

Larry pega um copo e serve um boa dose de whiskey.

Larry: Toma seu desgraçado.

Jack se levanta e vai até o bar pegar o drink.

Jack: Não era isso que eu queria dizer.

Larry: Eu sei, você quer ir para o lower east side!

Jack: E você quer fazer o que?

Larry: Sei lá! David, o que devemos fazer?

David abaixa o jornal, dessa vez abandona o mesmo na mesa, levanta e vai até Jack e Larry.

David: Vocês dois parecem dois esquizofrênicos. Sem sentido nenhum! To cansado desse papo todo. Estou indo pra minha casa dormir ao lado daquele dragão, que pelo menos fica quieto. Apesar de roncar o suficiente para gerar energia para cidade inteira!

David sai do bar.

Jack: Quem é esse cara?

Larry: Sei lá! Ele vem aqui duas vezes por semana, senta na mesma cadeira, toma o mesmo drink, fuma 6 cigarros, se levanta e vai embora. É a primeira vez que escuto a voz dele.

Jack: Vamos então!

Larry:  Quem vai estar lá?!

Jack: A mulher que eu amo!

Larry:  Quem é?

Jack: Não sei não a conheço, mas acho que estou apaixonado.

Larry: Me sinto bem em não participar de nada. Me alegra não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gosto de me sentir estranho a tudo.

Larry e Jack pegam seus pertences, vestem seus casacos e se preparam para sair.

Larry: Você não está feliz sozinho?  Precisa de algo mais?

Jack: Sim, mas sei lá...  Na minha vida, as pessoas aparecem e somem. Assim, fácil. E não me importo com isso,  gosto disso. Mas ela é diferente, tem algo... Algo que preciso saber o que é!

Larry: Meu deus! Mas papos aleatórios não são o suficiente?

Jack: Não tanto quanto gostaria. Mas se fosse o tanto quanto gostaria, provavelmente não estaríamos tendo essa conversa!

Os dois saem do bar. Desce o pano.