CENA: O ano é 1944, ou não. Um bar com algumas
cadeiras empilhadas. Ambiente sombrio, algo como um moderno cabaret. Bebidas
preenchem o balcão, cinzeiros cheios espalhados sobre as mesas, alguns quadros
com fotos em sépia e um pôster do que parece ser o Harry Potter, mas na verdade
é apenas Shelley Puddle, um famoso travesti da época. Seja lá que época for.
Quando sobe o pano, David, o ranzinza, está sentado ao fundo
lendo jornal. Jack, secretamente apaixonado, toma um drink e fuma um cigarro
sentado em uma mesa mais próxima ao bar. Enquanto Larry, o cafajeste dono do
bar, parece limpar e organizar o balcão.
Jack: Perdi minha
carteira.
Larry: Parece
perder coisas o tempo inteiro. É como se sua mente quisesse livrar seu corpo de
coisas materiais.
Jack: Preciso de
dinheiro!
Larry: Você está
me pedindo dinheiro?
Jack: Não, porra!
Só comentei que est...
Larry: Não posso
mais sair de casa porque devo dinheiro para todo mundo! Eu adoro comida
italiana, moro a 6 quarteirões do little italy, mas não posso ir. Porque se
saio, um monte de gente vem me pedir dinheiro. Talvez eu tenha que ir para
Itália para comer um pouco de comida italiana!
Jack: Não ia te
pedir dinheiro, e você mora perto de chinatown, não little italy!
Larry: Então por
favor, não peça dinheiro para a porra dos italianos! Agora, o que vamos fazer
hoje, cair na noite?
Jack: Festa? Você
pode fazer melhor que isso! Eu estava pensando em tomar uns drinks no lower
east side!
Larry: Quer
saber, eu nem gosto da porra do molho que colocam na comida!
Jack: Mas que
merda você está falando!?
Larry: Não vou
para o lower east side! Aquele bando de engravatados filhos da puta! Pagar para
beber!? A gente bebe aqui! Olha quanta bebida eu tenho nessa merda de bar!
Jack: Pensei em
irmos para um lado diferente da cidade. Só isso!
Larry: Diferente?!
Que papo gay é esse? Está amando?
Jack: Acho que
depende o que você quer dizer com amor.
Larry: Sei tudo
sobre amor!
Jack: Mas você
não é gay?
Larry: Não. Ainda
não. Talvez na minha próxima vida!
Jack: Me conta o
que sabe sobre amor...
Larry: Amor pela
vida, amor pela família, amor pela comida, pela bebida.
Jack: Dizem que
um amor não correspondido pode levar à obsessão!
Larry: Quem disse
isso?
Jack: Eu!
Larry: Uma hora
são doces, rosas e boquetes...
Jack: Houve uma
época em que amei tão profundamente, tão correto, que beirava o ódio.
Larry: ...depois
são 200 telefonemas....
Jack: Essa eu já
te disse uma vez, era uma piranha!
Larry: ...e
ordens de restrição..
Jack: O amor pode
ser sujo!
Larry: Assim como a gente!
David abaixa o jornal e passa o olho entre os dois.
David: Odeio os
filhos da puta dos Italianos! Sempre gritando, falando putarias, babando e
tomando péssimos vinhos! Humpf!
David sobe o jornal e volta a sua leitura.
Larry: Acha que
eu deveria trocar as cores do bar?
Jack: Não! E não
quero falar sobre isso! Alias, amarelo e azul fazem verde, não “amazul”!
Larry: Vai se foder! Seu merda! Falando em
merda, que cara de é essa? Você apanhou?!
Jack: Tenho tido
problemas para dormir.
Larry: Insônia?!
Jack: Quase isso...
Larry: Eu não tenho esse problema! Não durmo!
Nunca! Nem na morte espero dormir. Sonhos!? Ahhh! Grande baboseira! O ópio de
ser outra pessoa qualquer não me atrai tanto quanto a realidade de um bom whiskey!
Jack: Acho que
não durmo por remorso, pelo que deixei de cometer!
Larry: Que isso
garoto!? Quando você tem insônia, você nunca dorme de verdade e você nunca
acorda de verdade. A vida vira um limbo no qual se torna impossível diferenciar
o que é real!
David abaixa o jornal e passa o olho entre os dois.
David: Eu acho
isso ai uma merda!
David sobe o jornal e volta a sua leitura. Jack ascende um
outro cigarro.
Jack: Vamos tomar
uns drinks ou não!?
Larry: Ah
caralho! Eu faço um drink pra você!
Larry pega um copo e serve um boa dose de whiskey.
Larry: Toma seu
desgraçado.
Jack se levanta e vai até o bar pegar o drink.
Jack: Não era
isso que eu queria dizer.
Larry: Eu sei,
você quer ir para o lower east side!
Jack: E você quer
fazer o que?
Larry: Sei lá!
David, o que devemos fazer?
David abaixa o jornal, dessa vez abandona o mesmo na mesa,
levanta e vai até Jack e Larry.
David: Vocês dois
parecem dois esquizofrênicos. Sem sentido nenhum! To cansado desse papo todo.
Estou indo pra minha casa dormir ao lado daquele dragão, que pelo menos fica
quieto. Apesar de roncar o suficiente para gerar energia para cidade inteira!
David sai do bar.
Jack: Quem é esse
cara?
Larry: Sei lá!
Ele vem aqui duas vezes por semana, senta na mesma cadeira, toma o mesmo drink,
fuma 6 cigarros, se levanta e vai embora. É a primeira vez que escuto a voz
dele.
Jack: Vamos
então!
Larry: Quem vai estar lá?!
Jack: A mulher
que eu amo!
Larry: Quem é?
Jack: Não sei não
a conheço, mas acho que estou apaixonado.
Larry: Me sinto
bem em não participar de nada. Me alegra não estar apaixonado e não estar de
bem com o mundo. Gosto de me sentir estranho a tudo.
Larry e Jack pegam seus pertences, vestem seus casacos e se
preparam para sair.
Larry: Você não
está feliz sozinho? Precisa de
algo mais?
Jack: Sim, mas
sei lá... Na minha vida, as
pessoas aparecem e somem. Assim, fácil. E não me importo com isso, gosto disso. Mas ela é diferente, tem
algo... Algo que preciso saber o que é!
Larry: Meu deus! Mas
papos aleatórios não são o suficiente?
Jack: Não tanto
quanto gostaria. Mas se fosse o tanto quanto gostaria, provavelmente não estaríamos
tendo essa conversa!
Os dois saem do bar. Desce o pano.